terça-feira, 22 de abril de 2014

[História do samba de Florianópolis] “Nós somos as cantoras do rádio”

As rádios de Florianópolis tinham seus compositores que, por vezes, cantavam e tocavam suas próprias músicas, como Waldir Brasil e Narciso Lima, por exemplo. Quando não eram eles mesmo a executar suas músicas, e enquanto as rádios não tinham uma banda própria, elas usavam as bandas do Lira Tênis Club ou do Clube 12 de Agosto para executá-las. Seu Mazinho do Trombone, por exemplo, ainda em atividade, foi músico de todas as rádios de Florianópolis como a Rádio Guarujá, Anita Garibaldi e a Diário da Manhã.

Com os programas de samba nas rádios florianopolitanas, surgiam, também, os cantores locais, como Neide Maria Rosa, Waldir Brasil e Narciso Lima.

Waldir Brazil, Narciso Lima, Omar Campos e Pituca. Foto publicada no jornal A Notícia, em 19 de março de 2000. Registro de Artur de Bem feito a partir do livro “Carnaval na ilha”, de Átila Ramos.

Mazinho do Trombone, que foi músico de rádio, ao exemplificar algumas músicas executadas, mostra que eram sambas canções, serestas. Músicas nessa linha. Com bateria, sopros, violões, um andamento mais lento, mais suave. Diferente dos sambas executados pelos sambistas das escolas de samba, que cantavam sambas mais acelerados e usavam mais instrumentos de percussão.

Sempre houve uma certa divisão de classes entre os músicos de rádio e os demais músicos. Eles não se misturavam muito. Segundo o pesquisador Velho Bruxo, os músicos de rádio frequentavam os bares da Rua João Pinto, Miramar e adjacências. Demais músicos frequentavam os botecos dos morros ou iam para a região continental frequentar os botiquins do Estreito e Coloninha.

Tião, pobre, pintor de paredes, oriundo do morro, foi um dos poucos músicos do morro que conseguiu penetrar no meio musical das rádios. Mais tarde, em 1992, segundo Ana, neta de Tião e última proprietária, abriria o Bar do Tião, no Monte Verde, transformado em patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Florianópolis em 2009 e fechado em 2013. Na década de 1960 Tião conseguiu abrir uma fresta da porta do ambiente das rádios. Na década de 1980, um dos primeiros grupos “periféricos” que conseguiu entrar no ambiente das rádios não era um grupo de samba. Foi o Grupo Engenho que, ao entrar, quebrou a maçaneta e deixou a porta aberta para que outros músicos também pudessem entrar nesse meio. Elizeth Cardoso, do Rio de Janeiro, foi uma das maiores cantoras que o Brasil já teve. Neide Maria Rosa tinha grande semelhança com Elizeth, não só no biotipo, mas também na voz. Elizeth convidou Neide para seguir carreira no Rio de Janeiro, mas esta preferiu ficar em terras catarinenses. Neide talvez tenha sido a maior expoente cantora florianopolitana. Seu compositor preferido era Zininho e seu violão preferido era o de Tião. Tião também compunha mas estranhamente não há registro de nenhum samba em parceria dos dois.

Neide Maria Rosa cantando com Tião a acompanhando no violão. Acervo Josué Costa.

Tião, Yvonésio Catão (violonista e exímio cantor de serestas), os grupos Titulares do Ritmo e Vibrações (ambos surgidos em fins de 1970, início de 80, segundo o músico Wagner Segura), talvez tenham sido os que mais, ou melhor, acompanharam Neide. E não era fácil. Certa vez, um jovem violonista foi tocar com ela, que costumava cantar em tons não muito confortáveis para as mãos de um violonista, como um mi bemol. O jovem tentou descer meio tom, para tornar mais fácil os acordes, achando que Neide não perceberia a diferença de meio tom, e feriu um ré maior. Mas Neide percebeu, virou-se para o rapaz e deu-lhe uma bronca. O jovem foi obrigado a tocar a música em posições incomuns.

Zininho começou no rádio em 1949, na rádio Anita Garibaldi, e saiu do ar na década de 1960, já na rádio Diário da Manhã, segundo sua filha Cláudia. Outro programa específico sobre samba em Florianópolis somente vai ao ar na década de 1980, segundo o pesquisador Velho Bruxo, também na rádio Diário da Manhã, com Aldírio Simões, apresentando o programa Clube do Samba. Na década de 90, Aldírio passou a apresentar, também, um programa de televisão o “Bar Fala Mané”, no SBT TV, trampolim para dezenas de sambistas da cidade. Outro programa que tocava músicas locais, na mesma época de Aldírio, segundo lembranças dos entrevistados como Bira Pernilongo, era na Rádio Cultura, apresentado por Fontela, aos domingos.

Aldírio Simões e Fontela abrem espaço para grupos, compositores e cantores que não eram oriundos de rádio mostrarem seu valor. Foram os dois últimos homens da mídia a ter um programa especificamente sobre samba. Aldírio morreu em 2005 e de Fontela não se tem notícia.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

[História do samba de Florianópolis] A influência do rádio no samba de Florianópolis

A primeira gravação de um disco no Brasil, segundo o pesquisador Adilson Santos, foi feita em 1901 na cidade do Rio de Janeiro, e de acordo com o livro Caros Ouvintes (2005), a primeira emissora de rádio brasileira, também foi fundada no Rio de Janeiro, em 1923, a Rádio Sociedade. O livro, focado na história do rádio em Santa Catarina, relata que, no estado, a primeira rádio foi a Rádio Clube de Blumenau, fundada em 1936. E em Florianópolis a primeira foi a Rádio Guarujá, fundada em 1943.

Ainda segundo o livro, em 1949 estreava em Florianópolis, na Rádio Anita Garibaldi o programa “Gentleman do Samba” apresentado pelo músico e compositor Zininho, que mais tarde tornou-se um renomado compositor, e autor do hino de Florianópolis, “Rancho de Amor à Ilha”. Alguns anos depois, Zininho passou a apresentar o programa “Bar da Noite” na rádio Diário da Manhã. Os programas eram apresentados ao vivo, em auditório, com sorteios de brindes. Antes, os florianopolitanos ouviam os sambas das rádios do Rio de Janeiro, capital federal na época.

O rádio era a melhor forma de aprender os sambas. Ademais, o público não teria outra maneira de ouvir com frequência as músicas e os músicos cariocas. Talvez com um ou outro disco, mas a grande maioria dos relatos indica o rádio como o grande meio difusor deste gênero musical.

Até surgir um programa específico de samba local, o que se ouvia eram os cantores do Rio. Cantores e compositores, sambistas, que influenciaram o país inteiro. Em Florianópolis não foi diferente. A audição de sambas nas rádios fez surgir o interesse em algumas pessoas a fazer samba também. Reproduzindo da forma como eles soubessem. Tocar os instrumentos da forma como eles achassem melhor. Como disseram Carlos Raulino e Jandira, então produtor e cantora do grupo Um Bom Partido (criado em 1997), no documentário “Ali na Esquina”, de Graziela Storto e Rita Piffer (2005): “A gente ouvia os discos e tentava reproduzir. Como era o certo, se batia assim ou assado, a gente não sabia, mas a gente ia tocando”. É assim que surgiam os primeiros compositores, cantores e instrumentistas.

terça-feira, 8 de abril de 2014

[História do samba de Florianópolis] “Pelos salões da sociedade” Florianopolitana

Na história oficial de fundação da Copa Lord, em 1955, os 4 fundadores estariam em frente ao bar ouvindo sambas no rádio. Se tocava samba na rádio, é porque tinha alguém para ouvir. E em Florianópolis havia público que apreciava samba. Sim! A música popular tinha seu público há muitos anos na capital catarinense. Mesmo antes de existirem as escolas de samba, Florianópolis recebeu o flautista Patápio Silva, vindo do Rio de Janeiro. Patápio tocava choro, um gênero musical primo do samba, como bem caracterizou o escritor André Diniz em seu livro “Almanaque do Samba”, escrito em 2006. Vivíamos o longínquo ano de 1907.

Florianópolis, no início do século XX era uma cidade pequena*. Em 1907, quando Florianópolis recebe o flautista Patápio Silva, a infraestrutura era precária. A cidade tinha um péssimo sistema de sanemaneto básico. Basta dizer que em 1909, segundo o blog do pesquisador Velho Bruxo, começa a canalização de água potável, para a capital (leia-se o Centro da cidade). O livro “Patápio, músico erudito ou popular?” diz que, segundo uma estatística feita na Capital Federal, a causa da maior mortalidade em consequência de moléstia infecto-contagiosa, foi, em primeiro lugar, a tuberculose e, em segundo, a gripe. Patápio contraiu uma “hemoptise”, hemorragia no aparelho respiratório, e morreu em poucos dias em Florianópolis.

Reprodução do jornal O Dia, de 14 de abril de 1907, dando destaque à Patápio Silva. Imagem: Artur de Bem.

Muito possivelmente poucos florianopolitanos conheciam a música de Patápio, pois, ainda não havia rádios no Brasil e poucos tinham acesso a discos gravados. O jornal O Dia, da imprensa florianopolitana, em 13 de abril de 1907, registrou com muita ênfase e excitação a vinda do flautista: “Chegou hontem a esta cidade
o exímio flautista brasileiro Pattapio Silva, que dará no proximo domingo o seu unico concerto. Excusado é reproduzirmos o que temos regístrado a respeito d’esse distincto patricio.” A notícia especificava, ainda, o local da apresentação: “Na proxima quinta-feira dará elle o seu 1º concerto, no Club 12 de Agosto, a que é dedicado. Para isso está organisando um programa cheio de atractivos”. Patápio tocaria no dia 18 de abril de 1907, quinta-feira, no Clube 12 de Agosto, mas ficou doente e faleceu no Hotel do Comércio, prédio que atualmente abriga a loja Casas Bahia, na Rua Conselheiro Mafra, em frente ao prédio da Alfândega, no Centro.

Somente 20 anos depois, em 1927, temos registros da vinda de outros músicos do Rio de Janeiro para Florianópolis. Eram Os Batutas classificados por alguns autores como “jazz band”. O grupo era formado por Pixinguinha (flauta e sax), Donga (violão, banjo e cavaquinho), Aristides Júlio de Oliveira (bateria), Alfredo de Alcântara (pandeiro), Ismerino Cardoso (trombone), Bonfíglio de Oliveira (piston), Mozart Corrêa (piano), João Batista Paraíso (saxofone) e Augusto Amaral - o Vidraça (ganzá). O grupo voltava de uma excursão pela Europa e apresentou-se no Teatro Álvaro de Carvalho, no Centro, com um repertório de sambas, marchas, emboladas, maxixes, choros e jazz.

Em 5 de junho de 1932 o grupo Azes do Samba também vem do Rio de Janeiro para tocar no Cine Ritz, que ficava na Rua João Pinto (quando o Cine Ritz parou de operar, ele funcionava na Rua Arcipreste Paiva, ao lado da Catedral Metropolitana). O grupo realizou quatro apresentações em um único dia e era formado: pelo “Rei da Voz” Francisco Alves, Mário Reis (voz), Nonô (piano), Peri Cunha (bandolim) e Noel Rosa (violão). Sim! Noel Rosa** esteve em Florianópolis! E dizem até que ele bebeu umas cervejinhas no bar do João Bebe Água, atual Bar do Miltons, no calçadão da João Pinto.

Três apresentações relativamente importantes para a história da música em Florianópolis. Todas elas antes ainda de qualquer registro de escolas de sambas de Florianópolis.


*Para se ter uma noção do tamanho da capital catarinense na época, segundo o pesquisador “Velho Bruxo” em seu blog, em 1880 havia 8 praças, 47 ruas, 4 travessas, 8 becos, 8 igrejas ou capelas, 2 cemitérios (um público e outro luterano). Segundo o pesquisador Victor Antônio Peluso Junior no artigo “O crescimento populacional de Florianópolis e suas repercussões no plano e na estrutura da cidade”, em 1900 a cidade tinha apenas 13.474 habitantes. Não encheria o estádio do time do Figueirense hoje.

**Antes de Florianópolis, os Azes do Samba estiveram em Porto Alegre. Lá, Noel teria se engraçado com uma moça, e na despedida, no cais, a moça teria dito: “Até amanhã!”. No caminho para a capital catarinense, Noel compôs o samba que leva esta expressão, e teria sido executada pela primeira vez em terras florianopolitanas.

Até amanhã
(Noel Rosa)

Até amanhã se deus quiser
Se não chover eu volto pra te ver, oh, mulher
De ti gosto mais que outra qualquer
Não vou por gosto, o destino é quem quer

Adeus é pra quem deixa a vida
É sempre na certa em que eu jogo
Três palavras vou gritar por despedida
"Até amanhã, até já, até logo!"

O mundo é um samba em que eu danço
Sem nunca sair do meu trilho
Vou cantando o seu nome sem descanso
Pois do meu samba tu és o estribilho

Eu sei me livrar do perigo
No golpe de azar eu não jogo
É por isso que risonho eu te digo:
"Até amanhã, até já, até logo!"

quinta-feira, 3 de abril de 2014

[História do samba de Florianópolis] “Porém, há um caso diferente”

Pra identificar as postagens que fazem parte da grande reportagem sobre a história do samba de Florianópolis, os títulos terão a expressão [História do samba de Florianópolis] na frente do título.


A história contada por Avez-vous, fundador inconteste, é a versão oficial da fundação da Copa Lord. Porém, há um detalhe descoberto enquanto se realizava esta pesquisa e nunca antes revelado. Seu Teco, contemporâneo à fundação da Copa Lord e membro da Velha Guarda da escola, lembra que 3 anos antes, em 1952, os 4 personagens da história oficial, entre outros amigos, já tinham um bloco carnavalesco com o nome de “Garotos do Ritmo”. Eles tinham seu ponto de encontro na sorveteria do Barão, no Cais Frederico Roller, local que hoje abriga o Terminal Cidade de Florianópolis. Não havia um registro oficial desta agremiação, como em boa parte das demais agremiações da época, e somente em 1955 foi registrada, com ata de fundação, estatuto, alterando o nome de Garotos do Ritmo para Copa Lord.

Copa Lord em 1958. Terceiro da esquerda pra direita, sentado: Avez-vous. Segundo Seu Mário César, da Velha Guarda da Copa Lord, possivelmente estes eram os integrantes do Garotos do Ritmo. Registro de Artur de Bem do acervo de Seu Mário César.

Segundo Avez-vous, na época da fundação da Copa Lord, era moda um bloco querer ser chamada, ou querer ser, escola de samba. Mas uma escola era definida por ter uma ala de frente, formada só por homens; uma segunda ala, só por mulheres; uma porta estandarte e seguidas alas segregadas por sexo até chegar na bateria, última ala. Já os blocos se apresentavam com uma única ala, única fantasia, com a bateria atrás. Outras agremiações misturavam as características. Mesmo assim, disputavam o mesmo título. Em 1951, por exemplo, a escola de samba Protegidos da Princesa e o bloco Os Bororós dividiram o título.

Antes da Protegidos da Princesa, e até contemporâneas, segundo Cristiana Tramonte no livro “O samba conquista passagem” (1996), havia outras agremiações (blocos ou escolas). Bloco Filhos da Lua, da Prainha; Tira a Mão, de militares; Mocotó Vem Abaixo, da família Capella; Os Motoristas se Divertem, de motoristas; Palhetinhas, de crianças; O Bando da Noite; Bloco da Base; Brinca Quem Pode, da Conselheiro Mafra; Minerva; Serpentinos; Filhos de Minerva.

Na entrevista, Avez-vous ainda lembrou que, quando foi fundada a Copa Lord, havia outras três agremiações: Escola de Samba Alvim Barbosa, do Morro do Céu, em homenagem ao pai do compositor Zininho; Unidos da Tico Tico, do Morro do Tico Tico; e o Bloco Filhos de Netuno, dos Aprendizes-Marinheiros. Juntos com a Copa Lord disputaram o título daquele ano de 1955. A Escola de Samba Alvim Barbosa era comandada por Augusto Barbosa da Fonseca, hoje com pouco mais de 90 anos, morador do Morro da Caixa.