quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Roncou de raiva, a cuíca, roncou de fome

Toquei na noite anterior. Antes de tocar, minha última refeição tinha sido 2 sanduíches de padaria e um suco de laranja, por volta das 17h. Depois de tocar, cheguei em casa às 5h da manhã. Acordei às 13h com um desânimo só. Cansado. Sem vontade de fazer absolutamente nada. Às 17h fui no mercado e comprei pão. Exatas 12h sem me alimentar. Depois de comer eu me animei um pouco. Descobri que meu mal era falta de comida.

Aí fiquei pensando. Eu fiquei somente 12h sem comer e já estava com uma tremenda vontade de ficar 3 anos sem fazer nada. E foi somente por esse dia. Imagina quem fica por 12h sem comer todo dia.

O sujeito sai de casa pra trabalhar, ou procurar o que fazer, e passa o dia na rua. Quando volta, abre a geladeira e encontra um enorme e suculento nada. Água, somente da torneira. Dorme com fome. No outro dia, a história se repete. Sai de casa para trabalhar, ou procurar o que fazer, e passa o dia na rua. Quando volta, abre a geladeira e encontra um enorme e suculento nada. Água, somente da torneira. Dorme com fome. No outro dia, a história se repete. Sai de casa para trabalhar, ou procurar o que fazer, e passa o dia na rua. Quando volta, abre a geladeira e encontra um enorme e suculento nada. Água, somente da torneira. Dorme com fome.

Se cansou de ler? Imagina vivenciar isso.

Ou pior. O sujeito chega em casa e ve os filhos esperando que o pai traga algum pão de trigo, pão dormido, pão que o diabo amassou, qualquer pãozinho, que nunca vem.

E tem gente que diz: E porque não estudou? Tem escolas públicas. De graça!

Com que ânimo, cara pálida? Se eu, que tenho estudo, orientação, uma certa estrutura, já fiquei completamente desanimado do mundo com apenas 12h sem comida e por somente um dia, imagina passar isso todo dia? Ânimo pra estudar? Ânimo pra trabalhar? É nessas horas que o instinto animal fala mais alto. Sim, somos animais antes de tudo. E o instinto animal diz o que? Procure comida, ou dinheiro pra comprar comida, de qualquer maneira, custe o que custar e a quem custar.

Não tenho a solução para este problema. Só queria expor isso pra tentar mudar a mentalidade de algumas pessoas que acham que a resolução dos problemas depende só de cada um. Nem sempre. Isso não é um problema pontual. É um problema social. Não tenho a solução, mas até imagino que possa ser simples. Basta vontade política do Estado. No fim, tudo recai sobre o Estado.

É um ciclo vicioso que somente o Estado pode intervir. Soluções mágicas? Não existem. Ideias? Várias. Lembram do Betinho? Basta vontade política do Estado.

Proponho que o leitor faça essa experiência. Passe dois dias sem comer. Acorde e vá trabalhar. No horário de almoço vá jogar um dominó na Praça XV, ou coisa que o valha. Volte, trabalhe e no fim do dia vá pra casa. Veja sua tv e durma. Tente repetir isso no outro dia. Ainda no primeiro dia, o primeiro sintoma será uma dor de cabeça. Depois a barriga roncando por 2 minutos ininterruptos. Depois volta a dor de cabeça seguido de uma irritação. Você começa a ficar impaciente com coisas simples como tentar colocar uma linha no buraco da agulha. Depois volta a roncar a barriga, volta a dor de cabeça e um cansaço sem fim.

Se sobrar força, tome um banho antes de dormir. Ingestão somente de água. Faça! Você não vai morrer ou ficar doente com apenas 2 dias sem comer. Tem gente que está a semanas e não morreu. E você pode até perder uns quilinhos nessa "brincadeira".

Proponho também o seguinte. Peça uma bengala emprestada, um óculos escuros e ande no Centro da cidade de olhos fechados. Faça isso no outro dia também.

Proponho também o seguinte. Arranje uma cadeira de rodas e vá trabalhar.

Depois volte a falar de preconceito. Depois volte a julgar as pessoas.

Eu não fiquei sem comer pra fazer essa experiência. Foi um acaso. Mas foi bom. Bom pra me deixar cada vez mais indignado com o mundo. E é a indignação que o move. Se todos ficassem putos com o mundo sempre, quem sabe ele se movimentasse mais, e pra melhor.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Cuíca

Em homenagem a grandes cuiqueiros que eu vi em ação: Mestre Catonho, Seu Luiz, Dôga, Fabricio Gonçalves, Alfredo Castro, Gustavo Mariante, Brito, Bidu, Padeirinho, entre outros.

A invenção da cuíca é atribuída a João Mina, batuqueiro da Deixa Falar. Mas, como sempre, há controvérsia.

Segundo Sérgio Cabral, a cuíca já era usada há décadas anteriores, nos cordões carnavalescos.
Segundo outras diversas fontes, a cuíca é um instrumento de origem africana. Era um pouco diferente da que se usa hoje em dia, com a vareta, varão, bambu, do lado de fora.
Talvez a cuíca usada nos cordões seja uma mais rudimentar, sendo João Mina o primeiro a usá-la do modo como se usa hoje.
Seja como for, João Mina está na história também por ser parceiro de Noel Rosa no partido alto "De babado".
Mas a postagem é sobre cuíca, então lá vai.

Getúlio Marinho "Amor" fez um samba, "Molha o pano", em parceria com Cândido Vasconcelos, sobre o instrumento.
Gravação de Aurora Miranda.


Molha o pano
Pega na cuíca
Puxa certo e com cadência
Veja o samba como fica

Fui num pagode
A família deu um "não"
Aqui não se quer cuíca
Porque não é barracão

Fiquei sentida
"Coragem!" Gritou meu mano
Quem é rico paga orquestra
E quem é pobre molha o pano

É um abuso
E por demais autoridade
Fazer pouco em quem é pobre
Só por ter felicidade

Não fiz barulho
Porque me julgo decente
Tratei de molhar o pano
E gritei “vamos em frente"


Há este vídeo, de um filme feito em 1936. É o mesmo áudio de cima.
O mais interessante nisso é que quem está tocando cuíca, ao menos no filme, é o grande Bide! Uma imagem rara, talvez única, do Bide em vídeo.



Wilson Baptista também dá o seu recado. Neste samba, em parceria com Haroldo Lobo, ensinam "Como se faz uma cuíca".
Gravação de Anjos do Inferno, em 1944.


Um pedaço de pau
Um pedaço de couro
Numa barrica
É assim que se faz uma cuíca

Depois de tudo acabado
Tem outra observação
Arranje um pano molhado
Para fazer a marcação
Venham ver como é que o samba fica
O piano é de nobre
O instrumento de pobre é a cuíca


Cuíca, pra mim, é instrumento de molho. De acompanhamento.
Mas bato palmas pra Fritz Escovão!


Agora sim! Fritz Escovão!



Termino a postagem com este breve documentário, de 1978, sobre cuíca.


Grande dúvida que me corrói: instrumento de percussão ou de harmonia?

sábado, 5 de janeiro de 2013

Cantador (Candeia)

Única gravação dessa música, em 1973, feita pelo Os Pagodeiros. A voz principal é do Nadinho da Ilha.

Cantador
(Candeia)


Cantador canta sem medo
Cantador não se atrapalha
Cantador não há segredo
Ferro frio não se malha

Canta moça no banheiro
No pregão, o leiloeiro
No terreiro da escola
Canta o samba, partideiro

O português canta o fado
O francês o cançoneiro
Com dinheiro ou sem dinheiro
Canta o samba brasileiro

Aranha arranha o jarro
O jarro arranha a aranha
Na pia o pingo pinga
O pinto não pinga pia

(O último verso é um controverso. Se alguém entender diferente, avise. Obrigado!)