No dia 17 de junho, na semana do dia dos
namorados, ela foi encontrada morta, pendurada por um fio de teia de aranha,
logo abaixo de um suporte de lâmpada. Suicidou-se em virtude de uma desilusão amorosa.
Segundo testemunhas, que não querem se
identificar por medo, a Traça mantinha relações com o Cupim já há alguns dias.
Eles dizem que ela era apaixonada pelo corpo esbelto dele.
Infelizmente, o motivo que atraía a Traça também
a traía. O corpo esbelto do Cupim também chamava a atenção de outras espécimes.
Cupim era um ser realmente admirável. Com suas
asas imponentes e seus dentes extremamente fortes, tinha fácil acesso a todos
os ambientes. Era temido por uns, respeitado por outros, amado por todas. Por
onde passava provocava os suspiros delas. Até de algumas aranhas.
Cupim gostava de frequentar os ambientes aéreos.
Conversava muito com os mosquitos. Até participava das jogatinas deles. O
mosquito Aedes, o patrão da área, lhe tinha muito respeito e fazia vista grossa
para algumas de suas investidas. Dizem até que Cupim teria arrastado uma asa
pra uma das irmãs de Aedes. Um dia Cupim conheceu Traça, e a deixou subindo
pelas paredes.
Traça era bonita e jovem, ainda iria desenvolver
muito, e tinha um futuro brilhante pela frente. Não fosse esse intempérie no
caminho. Filha de uma família nobre, foi blindada pelos pais sobre os perigos
da vida. Talvez por medo de que algo ruim pudesse acontecer. Ironicamente,
talvez justamente essa blindagem a tenha matado.
Sem conhecer os amargos da vida, seu primeiro
amor foi justamente o Cupim, um ser livre, que andava por todos os ambientes.
Não havia condições da Traça acompanhar o ritmo acelerado do Cupim. E nem do
Cupim esperar pela Traça. Sendo assim, seus encontros eram casuais. A Traça
subindo pelas paredes e o Cupim voando.
Mesmo com um amor tão incomum, a Traça acreditava
que podia dar certo. Até que descobriu a verdade sobre seu affair, da pior
forma possível, quando o flagrou com uma formiga. E o safado nem fez questão de
desmentir. Quanto maior a árvore, maior a queda. E o Cupim era o maior para a
Traça.
Ela traçou um plano. Iria mostrar a todos o que
um amor não correspondido pode fazer. Depois disso, ela tinha certeza que ninguém
mais iria querer ficar com o Cupim. Sabendo de suas constantes visitas nas partes
mais altas, falou com uma aranha, que conhecia bem o Cupim, e combinou que ela
deixaria uma teia “esquecida” no suporte da lâmpada.
Ninguém acredita que a Traça tenha conseguido
alcançar a lâmpada sozinha. É muito longe e de difícil acesso para quem não tem
asas. Mas a força de um desamor está fora das nossas imaginações. Se o amor tem
poder, o desamor, o desgosto, a vergonha, a raiva, tem muito mais.
No dia e horário de maior movimento, quando
estavam todos (mosquitos, cupins, aranhas, mariposas, até uma abelha apareceu),
jogando, conversando, se divertindo, aparece a Traça. Foi um silêncio
sepulcral. Primeiro o espanto pelo aparecimento de uma traça tão jovem. Isso
nunca tinha acontecido antes. Segundo porque era a Traça que o Cupim já tinha
traçado. E somente ele.
Sem rodeios, ela atravessa o suporte todo. Já com
os olhos rasos d’água. Cansada da viagem, abatida da traição e desgostosa da
vida. Passa por todos como se não existisse ninguém. Se amarra no fio da teia e se joga. Foi possível ouvir o grunhido do fio
se esticando. E nada mais.
O local ficou completamente abandonado até que o corpo da Traça foi retirado. Passado um tempo, o ambiente voltou a ser frequentado, aos poucos. A vida continuou. O Cupim nunca mais foi visto. Uns dizem que ele perdeu suas asas e se enfiou num buraco qualquer. Outros dizem que ele voou pra outro local. Dizem até que ele morreu. São várias as versões. Nenhuma certeza.
Hoje, ninguém mais lembra dele. Nem dela.