sexta-feira, 17 de junho de 2016

Causa mortis: amor. Ou desgosto. Dá quase no mesmo.

No dia 17 de junho, na semana do dia dos namorados, ela foi encontrada morta, pendurada por um fio de teia de aranha, logo abaixo de um suporte de lâmpada. Suicidou-se em virtude de uma desilusão amorosa.

Segundo testemunhas, que não querem se identificar por medo, a Traça mantinha relações com o Cupim já há alguns dias. Eles dizem que ela era apaixonada pelo corpo esbelto dele.

Infelizmente, o motivo que atraía a Traça também a traía. O corpo esbelto do Cupim também chamava a atenção de outras espécimes.


Cupim era um ser realmente admirável. Com suas asas imponentes e seus dentes extremamente fortes, tinha fácil acesso a todos os ambientes. Era temido por uns, respeitado por outros, amado por todas. Por onde passava provocava os suspiros delas. Até de algumas aranhas.

Cupim gostava de frequentar os ambientes aéreos. Conversava muito com os mosquitos. Até participava das jogatinas deles. O mosquito Aedes, o patrão da área, lhe tinha muito respeito e fazia vista grossa para algumas de suas investidas. Dizem até que Cupim teria arrastado uma asa pra uma das irmãs de Aedes. Um dia Cupim conheceu Traça, e a deixou subindo pelas paredes.

Traça era bonita e jovem, ainda iria desenvolver muito, e tinha um futuro brilhante pela frente. Não fosse esse intempérie no caminho. Filha de uma família nobre, foi blindada pelos pais sobre os perigos da vida. Talvez por medo de que algo ruim pudesse acontecer. Ironicamente, talvez justamente essa blindagem a tenha matado.

Sem conhecer os amargos da vida, seu primeiro amor foi justamente o Cupim, um ser livre, que andava por todos os ambientes. Não havia condições da Traça acompanhar o ritmo acelerado do Cupim. E nem do Cupim esperar pela Traça. Sendo assim, seus encontros eram casuais. A Traça subindo pelas paredes e o Cupim voando.

Mesmo com um amor tão incomum, a Traça acreditava que podia dar certo. Até que descobriu a verdade sobre seu affair, da pior forma possível, quando o flagrou com uma formiga. E o safado nem fez questão de desmentir. Quanto maior a árvore, maior a queda. E o Cupim era o maior para a Traça.

Ela traçou um plano. Iria mostrar a todos o que um amor não correspondido pode fazer. Depois disso, ela tinha certeza que ninguém mais iria querer ficar com o Cupim. Sabendo de suas constantes visitas nas partes mais altas, falou com uma aranha, que conhecia bem o Cupim, e combinou que ela deixaria uma teia “esquecida” no suporte da lâmpada.

Ninguém acredita que a Traça tenha conseguido alcançar a lâmpada sozinha. É muito longe e de difícil acesso para quem não tem asas. Mas a força de um desamor está fora das nossas imaginações. Se o amor tem poder, o desamor, o desgosto, a vergonha, a raiva, tem muito mais.

No dia e horário de maior movimento, quando estavam todos (mosquitos, cupins, aranhas, mariposas, até uma abelha apareceu), jogando, conversando, se divertindo, aparece a Traça. Foi um silêncio sepulcral. Primeiro o espanto pelo aparecimento de uma traça tão jovem. Isso nunca tinha acontecido antes. Segundo porque era a Traça que o Cupim já tinha traçado. E somente ele.

Sem rodeios, ela atravessa o suporte todo. Já com os olhos rasos d’água. Cansada da viagem, abatida da traição e desgostosa da vida. Passa por todos como se não existisse ninguém. Se amarra no fio da teia e se joga. Foi possível ouvir o grunhido do fio se esticando. E nada mais.

O local ficou completamente abandonado até que o corpo da Traça foi retirado. Passado um tempo, o ambiente voltou a ser frequentado, aos poucos. A vida continuou. O Cupim nunca mais foi visto. Uns dizem que ele perdeu suas asas e se enfiou num buraco qualquer. Outros dizem que ele voou pra outro local. Dizem até que ele morreu. São várias as versões. Nenhuma certeza.

Hoje, ninguém mais lembra dele. Nem dela.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Quem se importa, o rabo entorta!



Meia noite. Todas as pessoas normais se preparam pra dormir. Ou já estão dormindo. Ele? Ele se prepara pra ir trabalhar. Daqui a pouco ele deve sair. A qualquer momento a partir de agora.

Uma hora da manhã. Lá vai ele. Um pouco atrasado. Acho que o patrão não vai gostar. Talvez ele seja demitido hoje. Tomara. Talvez ele tenha dormido demais. Que ironia.

Mentira. Nem sei o que ele faz da vida. A quem estou querendo enganar? A mim mesmo. Inventando histórias pra me satisfazer. Enquanto ele vai trabalhar agora. A noite toda. Sofrendo. Enquanto eu durmo. Tranquilo.

Seis horas da manhã. Acho que já acabou o expediente dele. Deve ter sido muito sofrido hoje. Ele ta até cambaleando. Bem feito. Quem manda querer dormir até o meio dia. Não estudou. Aí fica com esses sub empregos. De madrugada. Sofrendo.

Mentira. Nem sei se ele estudou. Mas não deve ter estudado. Se encaixa melhor na minha análise. Vagabundo. Tudo que ele tem é uma mochila velha. Sempre carrega a mochila.

Duas horas da tarde. Sem vergonha. Ele não tem vergonha? Levantar essa hora? Vagabundo. Eu já levantei, tomei banho, fiz almoço, lavei roupa. Mereço um cochilo.

Ave Maria. Nenhum movimento na casa. Da minha janela eu consigo ver. Deve ta dormindo. Vagabundo. Sem vergonha. É só o que ele sabe fazer. Dormir. Depois acorda atrasado pra trabalhar. Eu não tenho culpa se ele for demitido. Nem pena. Tomara que seja.

Aliás. Que raio de emprego é esse? Trabalha só de noite e madrugada. As vezes entra às 11 da noite. As vezes a 1 da manhã. As vezes 10 da noite. As vezes volta às 5. As vezes volta às 6. 7. Já vi ele sair de casa 6 horas da tarde e chegar em casa meio dia. Já vi até ele não voltar. Vagabundo!

Nem ligo. Não é ele que paga minhas contas.

Vagabundo!

Ó! Hoje ele ta saindo mais cedo. Onze horas. Lá vai ele.