terça-feira, 6 de maio de 2014

[História do samba de Florianópolis] “Não tem placa de bronze, não fica na história”

Os sambistas famosos anônimos, já explicados no começo desta reportagem, são sambistas de rua, que morrem sem glória, depois de tanta alegria que nos deram. Destes, os primeiros, que aprenderam com os primeiros músicos, os marinheiros, eram ligados a algum bloco ou escola de samba. Até porque era um dos poucos lugares onde eles podiam tocar samba abertamente. Tanto a Protegidos quanto a Copa Lord surgiram no Morro da Caixa, mas somente o pessoal ligado à Copa Lord costumava fazer rodas de sambas. Da Copa Lord surgiram vários sambistas como o Seu Bigode, pai do Seu Mário Cesar, atualmente com 65 anos, da Velha Guarda da Copa Lord; Armandino Gonzaga; Azomar; Nelinho; Valdir Táboas; Geraldo; Tião; Toca (pandeirista e irmão do Tião); Vidomar; Ito, percussionista; Lao; Dato; Cainha. Com exceção de Bigode, que não frequentava tão assiduamente a batucada, todos eram muito ligados a samba e participavam das festas no morro. Seu Bigode era o fiscal do salão nos bailes na sede da escola (criada na década de 1970). “Um crioulo alto, que impunha respeito”, como diz Seu Mário César.

Um dos primeiros redutos de samba de Florianópolis foi o Bar do Segundo, na década de 1940, que serviu de palco para algumas batucadas até meados da década de 70, e lugar de frequente convívio dos moradores do morro.

Naquela época, havia no Morro da Caixa muitos músicos que faziam sambas, outros sambas canções, serestas e havia, ainda, os que apenas participavam das boemias, sem envolvimento com o carnaval. Entre elas, Seu Nelson, mais conhecido como Nelson do Cavaquinho, morador da parte de cima do morro. Segundo moradores, vivia sempre bem trajado, mas não andava muito com os que lá residiam. Descia o morro na sexta-feira e retornava no domingo ou somente na segunda-feira pela manhã, ébrio. Seu Nelson andava muito pelas bandas continentais, na Coloninha. Segundo o músico Sabaráh (em entrevista concedida em 2011), Seu Nelson adorava tocar cavaquinho, porém, quem apresentasse o instrumento para ele, ainda sóbrio, iria conhecer o seu lado ranzinza.

Outro músico do Morro da Caixa bastante lembrado nas entrevistas é o Seu Noca, também cavaquinista. Ele tocava com o cavaco afinado em meio tom abaixo. Quem fosse tocar junto e usar como referência os seus acordes, teria, fatalmente, uma dificuldade em acompanhá-lo. Atualmente Seu Noca está doente, prefere ficar resguardado em sua residência e não quer dar entrevistas. Nem ser visto. Uma curiosidade: depois de algumas desilusões com a música, desfez-se de seu instrumento. A pessoa que hoje tem o cavaquinho de Seu Noca conseguiu ter acesso a ele há alguns anos e colheu dele algumas informações. Ela conseguiu comprar o cavaquinho dele em uma transação de terceiro e descobriu por coincidência que o cavaco pertencera ao Seu Noca. Declarou que ele se arrependeu de ter se desfeito do cavaquinho. Diante disso, a pessoa prefere não ser identificada, com receio que ele ou a família possa pedir o instrumento de volta e, pelo fruto da bondade, acabar entregando artefato tão raro.

No samba-enredo da Copa Lord para o carnaval de 1989, “A vez e a voz do morro”, de Celinho da Copa Lord, há um trecho que diz: “Lá vai o Noca pra pura do barril / Na invernada o oricongo do Gentil”. Não se trata do mesmo Noca. No Morro da Caixa havia outro, famoso pelos tragos constantes.

Do bairro Agronômica, outro nome muito lembrado entre os entrevistados mais velhos sambistas é a do violonista Nilton Setúbal. Para quem é músico, pode parecer simples, mas Setúbal chamava atenção na época por transpor tons das músicas com uma facilidade única. Tocava qualquer música em qualquer tom. Nilton tocou muito com Mazinho do Trombone. Mazinho é uma das figuras mais respeitadas no mundo musical em Florianópolis e um dos músicos há mais tempo em atividade. O violonista Guilherme Partideiro conta que, certa vez, tocando com Mazinho, acompanhando a cantora Maria Helena, tentava enganá-lo, escolhendo músicas que Mazinho não conhecia. Na primeira passagem da música, Mazinho apenas ouvia. Na segunda, já vinha tocando nota por nota, sem erro.

No Morro do Céu concentravam-se muitos músicos sambistas, sem relação com as agremiações carnavalescas. Vários foram os entrevistados como Wagner Segura, Jean Leiria, Duduco, Bira Pernilongo, entre outros, que lembraram de sambistas do Morro do Céu com extrema facilidade e saudosismo. Entre os nomes lembrados, estava o do violonista Pinheiro, falecido no final de 2010. Apesar de residir na ilha, Seu Pinheiro frequentava muito a região continental de Florianópolis. Também do Morro do Céu, havia o bandolinista Avícola, que tocava bandolim muito bem. Morava na Rua Cruz e Sousa e costumava bater ponto onde atualmente funciona o Bar da Helô, na mesma rua. A família ainda reside no morro e possui guardado seu bandolim. Conterrâneo de morro, havia Seu Medeiros, um excelente cantor, e que continuou sua trajetória até as décadas de 1970, no Iate Clube Veleiros, na Beira Mar Norte. É do Morro do Céu também o violonista Canhola, um canhoto, que tocava violão de destro. E com uma destreza admirável, segundo os entrevistados.

Um moço que sempre era visto com um sorriso no rosto e um pandeiro na mão, com um bailado singular era Tenente, irmão de Seu Lidinho. Segundo o professor Márcio de Souza, uma roda de samba não estava completa se Tenente não estivesse presente. Já seu irmão, Lidinho, desfila desde o primeiro ano, em 1955, na Copa Lord, e hoje é membro da Velha Guarda da escola. Frequenta os sambas pela cidade e é o primeiro a começar a dançar e o último a terminar. Segundo Avez-vous, “Seu Lidinho é o único que tem perna e autorização para dançar nas apresentações da Velha Guarda”.

Seu Mário César, da Velha Guarda da Copa Lord, ainda lembrou que, no Monguilhote, região da subida do Morro da Mariquinha, no Centro, também havia samba. Infelizmente, os entrevistados não lembraram quem eram os atores dessa manifestação. Apenas se sabe que havia uma roda de samba por lá.

Muitos desses senhores citados acima iam para o continente para frequentar os botiquins de lá. Naquela época, os botequins mais frequentados pelos sambistas era no bairro da Coloninha.

Nenhum deles compunha. Pelo menos não há nenhum registro, seja escrito, seja na memória dos mais velhos, de composições desses músicos citados. Segundo Seu Marinho, da Velha Guarda da Protegidos, até houve alguma composição ou outra, mas não eram registradas. Cantavam no momento e depois ninguém mais dava atenção àquilo. Nem mesmo o compositor.

Durante a pesquisa, os músicos citados pelos entrevistados como tais, eram somente os que tocavam algum instrumento de harmonia, como cavaquinho, violão e bandolim. Os batuqueiros não eram citados quando questionados sobre os músicos de antigamente. Embora muitas rodas, e até mesmo nos desfiles das escolas (até o surgimento do equipamento de som, na década de 1970), somente se usava instrumentos de percussão, mesmo por aqueles que sabiam tocar instrumento de corda.

Esta geração de sambistas foi responsável pelas primeiras rodas de samba, ainda tímidas, nos subúrbios da cidade. Mas exercerão fortes influências para as novas gerações.

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