quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Fiscal do salão

Em homenagem a Euclides João dos Santos, o Seu Bigode (ou Vô Kido, para os íntimos), pai do Seu Mário César, da Velha Guarda da Copa Lord.
Seu Bigode era o fiscal do salão da sede da Copa Lord, nos seus bailes e soirees. Um negro alto, com um bigode grande no meio da cara. Negro que impunha respeito, não só pelo seu tamanho, mas pelas suas ações, sempre buscando o correto. Respeitado no morro e mais ainda no salão. Ninguém se arriscava a fazer bobagem na presença do Seu Bigode.

Era a função dele, o fiscal do salão. Não podia passar a mão, beijar, etc. Todos tinham que estar de calça, sapatos. Qualquer entrave, desavença ou imprevisto era resolvido pelo fiscal.

Retrato: Schneider, 1989.

Antigamente, as pessoas pagavam para entrar nos salões e pagavam, também, para dançar. Findada a música, findada a dança.
Alguns bailes havia o sistema de fichas. Outros de tantas músicas por cifra. Seja qual fosse o esquema, tinha que pagar para se dançar com as moças. E as moças ficavam com parte desse valor. A outra parte era da casa. Não eram prostitutas, mas funcionárias da casa. Específicas para dançar com os clientes. Algumas casas até poderiam ter prostitutas no meio, mas não necessariamente.

Lupicínio Rodrigues contou que tocava num cabaré com um amigo e levavam as namoradas. Mas o dono do cabaré exigia que eles permitissem que elas dançassem com os clientes. Daí surgiu "Quem há de dizer".

Quem há de dizer
(Lupicínio Rodrigues)

Quem há de dizer que quem vocês estão vendo
Naquela mesa bebendo é o meu querido amor
Reparem bem que toda vez que ela fala
Ilumina mais a sala do que a luz do refletor

O cabaré se inflama quando ela dança
E com a mesma esperança todos lhe põem o olhar
E eu, dono, aqui no meu abandono
Espero louco de sono o cabaré terminar

"Rapaz, leva esta mulher contigo"
Disse uma vez um amigo quando nos viu conversar
Vocês se amam e o amor deve ser sagrado
O resto deixa de lado vai construir o teu lar

Palavra
Quase aceitei o conselho
O mundo, este grande espelho
Que me fez pensar assim
Ela nasceu
Com o destino da lua
Pra todos que andam na rua
Não vai viver só pra mim


Muitos foram os casos como esse.
Rapazes dançando com a moça e no fim do baile ela vai ao encontro do seu "dono", esposo, namorado, que a aguardava numa mesa bebendo, quase dormindo, ou até mesmo dormindo.

Os rapazes pagavam não só pela dança, mas por um flerte.
Dançavam com a expectativa de que elas fossem se apaixonar. E era função delas alimentar essa expectativa. "Quem sabe na próxima música". "Logo agora que eu ia te dar um beijo, acabou a música". "Pode ser". "Você é bonito, mas acabaram suas fichas". E por aí vai.

É plausível imaginar que algumas moças não queriam dançar com certos rapazes.
E isso foi mostrado no samba "Quem é o dono do baile?".


Quem é o dono do baile?
(Cristovão de Alencar / Alcebíades Nogueira)

Porque é que aquela dama
Está só me recusando?
Toda vez que eu a convido
Com outro ela sai dançando
Quem é o dono do baile
Ou o fiscal do salão?
Não há ninguém que se cale
Na minha situação

Três vezes fui recusado
Pela dama de amarelo
Estou sendo humilhado
Mas não sou polichinelo

Como moço cavalheiro
Eu paguei para entrar
Ou devolve meu dinheiro
Ou ela tem que dançar


É mais possível ainda imaginar o motivo.
Eis a resposta da moça para o fiscal do salão:


Ele não sabe dançar
(Cristovão de Alencar / Alcebíades Nogueira)

Não é bem isso
Esse rapaz está louco
Não quero dançar com ele
Mas não é fazendo pouco
Ele pagou para entrar
É com razão que reclama
Mas pagou para dançar
E não para pisar a dama

Gosto de cair nos braços
De um moreno frajola
Que sabe fazer com a dama
O que um craque faz com a bola

A cigana enganou
Que ele sabe dançar
Bem sei que ele pagou
Mas não foi pra me pisar

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